O Aedes aegypti, esse minúsculo voador tornou-se o principal desafio da saúde pública do país por ser vetor de moléstias que se transformaram em epidemias responsáveis pela morte de milhares de pessoas. O inimigo agora é outro. Bem parecido, mas outro. Atende por Haemagogus Leucocelaneaus, como foi batizado o mosquito transmissor da Febre Amarela silvestre, doença que se espalha pelo país e tem levado as pessoas a formar filas gigantescas nos postos de vacinação.
Pivô de todo esse alvoroço, o Haemagogus é imperceptível quando alça voo. Mesmo parado, é preciso uma lente de aumento para vê-lo em destaque. O gênero Haemagogus guarda parentesco com o Aedes aegypti. Eles têm em comum o tamanho – em média, 5 milímetros –, a expectativa de vida – em torno de 30 dias –, e a capacidade de aterrorizar. Possuem semelhanças não só morfológicas, mas também fisiológicas. Compartilham, por exemplo, a facilidade de abrigar vírus como o da Febre Amarela em seu organismo e transmiti-los aos humanos. Não à toa a denominação Haemagogus vem do grego, tem o mesmo radical das palavras hemograma e hemofilia e significa “condutor de sangue”.
No mais, eles são opostos em tudo. Para distinguir um do outro, a melhor maneira é atentar às patas: a do Aedes tem riscas brancas. Porém, nenhuma diferença é tão marcante quanto o habitat de cada um deles. O Aedes vive em ambiente urbano e adora aconchegar-se em um domicílio, enquanto seu colega tem as preferências de um matuto. O Haemagogus habita florestas, matas, cerrados e regiões similares. Tem predileção especial pela copa das árvores, por razões interesseiras. Lá no alto ficam seus alvos preferidos: macacos, bugios, saguis e demais primatas que lhe podem fornecer sangue. Consegue sustentar voo por mais de 5 quilômetros. Geralmente faz isso ao entardecer, aproveitando a brisa que sopra na transição do dia para a noite. Está sempre à procura de comida e local para desovar. Seletiva, a fêmea de Haemagogus escolhe sempre o oco das árvores ou de um galho caído para a desova. Trata-se de tarefa complexa, mesmo para quem, como o Haemagogus, é capaz de percorrer grandes distâncias. Nessa busca, pode transitar de uma área de mata fechada a outra ou mesmo se bandear para as franjas de uma floresta. Essa facilidade de deslocamento e a possibilidade de voar longe estão na origem da expansão da Febre Amarela silvestre que agora tanto amedronta os brasileiros.
Nas florestas das Américas, quem transmite o vírus são os mosquitos silvestres dos gêneros Haemagogus Leucocelaneaus. Os mosquitos, quando contaminados, transmitem o vírus principalmente para os macacos e acidentalmente para as pessoas do campo, que estão em contato com a floresta.
Esses mosquitos dependem das florestas para sua manutenção, se reproduzem em ocos e cascas de árvores e se alimentam do sangue de animais, principalmente dos primatas nas copas das árvores.
Nos macacos, este o surto de Febre Amarela, de fato é uma tragédia. Os macacos são vulneráveis ao vírus, e a quantidade de mortes e a velocidade com que isso tem acontecido é preocupante. Nesta situação, das duas uma, ou sobrarão os macacos mais resistentes ao vírus ou restarão os vírus menos virulentos na região (pois o vírus também depende do hospedeiro para a sua manutenção, e aquele vírus que mata deixa de se reproduzir no macaco morto). Entretanto, como as populações e grupos de primatas são pequenas e fragmentadas (ameaçadas de extinção), infelizmente, é esperado como consequência muitas extinções locais. Vacinar as pessoas na área de risco, principalmente aquelas que estão em contato com a floresta, é uma medida preventiva que protege a população humana, mas que também pode reduzir a circulação e a transmissão do vírus para os primatas.
Febre Amarela
Assim como as outras espécies silvestres, esses mosquitos também possuem seu papel ecológico nos ambientes naturais, ainda que exista controvérsia sobre se esse papel é indispensável.
Entretanto, é importante ressaltar que esses mosquitos da floresta não são vilões, porque assim como as pessoas leigas e desinformadas partem para combater a Febre Amarela tentando matar os macacos, tentam matar também os mosquitos da pior forma, ateando fogo nas florestas e/ou jogando veneno.
Vale destacar que a Organização Pan-Americana da Saúde lançou um alerta epidemiológico para todas as Américas. No Brasil, o surto não está restrito à Bacia do Rio Doce, em Minas Gerais e Espírito Santo, como se tem ventilado. Acontece que há muitos anos a Febre Amarela está avançando para o leste de Minas Gerais, Espírito Santo e sul da Bahia, áreas consideradas de risco potencial para a doença. O problema é que o vírus chegou e encontrou a população não imunizada na região e rapidamente se espalhou.
A medida mais importante para prevenir e controlar a Febre Amarela é a vacinação da população. Os seres humanos são mais resistentes ao vírus (foi o homem quem introduziu o vírus nas Américas), podem funcionar como reservatórios resistentes, aumentando a circulação do vírus entre regiões e ambientes silvestres, e podendo até levar o vírus ao ambiente urbano novamente.
- Haemagogus acutisentis Arnell, 1973
- Haemagogus aeritinctus Galindo & Trapido, 1967
- Haemagogus albomaculatus Theobald, 1903
- Haemagogus anastasionis Dyar, 1921
- Haemagogus andinus Osorno-Mesa, 1944
- Haemagogus argyromeris Dyar & Ludlow, 1921
- Haemagogus baresi Cerqueira, 1960
- Haemagogus boshelli Osorno-Mesa, 1944
- Haemagogus capricornii Lutz, 1904
- Haemagogus celeste Dyar & Nunez Tovar, 1926
- Haemagogus chalcospilans Dyar, 1921
- Haemagogus chrysochlorus Arnell, 1973
- Haemagogus clarki Galindo & Carpenter, 1952
- Haemagogus iridicolor Dyar, 1921
- Haemagogus janthinomys Dyar, 1921
- Haemagogus leucocelaenus Dyar & Shannon, 1924
- Haemagogus leucophoebus Galindo & Carpenter, 1952
- Haemagogus leucotaeniatus Komp, 1938
- Haemagogus lucifer Howard, Dyar & Knab, 1912
- Haemagogus mesodentatus Komp & Kumm, 1938
- Haemagogus nebulosus Arnell, 1973
- Haemagogus panarchys Dyar, 1921
- Haemagogus regalis Dyar & Knab, 1906
- Haemagogus soperi Levi-Castillo, 1955
- Haemagogus spegazzinii Brethes, 1912
- Haemagogus splendens Williston, 1896
- Haemagogus tropicalis Cerqueira & Antunes, 1938
Quando ocorre uma grande epizootia, o risco de casos humanos acontecerem aumenta, pois a circulação do vírus se torna mais intensa. Porém, é importante destacar que, diferentemente dos animais, as pessoas possuem um meio eficaz de se prevenir: a vacina. A lista de municípios com recomendação de vacina pode ser conferida no site do Ministério da Saúde. Pessoas que vão viajar para estas localidades também devem se vacinar com, pelo menos, dez dias de antecedência.
Além de seguir as recomendações para imunização, é importante intensificar o combate ao Aedes aegypti nas cidades, para prevenir um possível retorno da forma urbana da febre amarela. Um estudo liderado pelo IOC em parceria com o Instituto Pasteur, na França, demonstrou, em testes de laboratório, que mosquitos fluminenses das espécies Aedes aegypti, Aedes albopictus, Haemagogus leucocelaenus e Sabethes albipirvus são altamente suscetíveis à transmissão das linhagens virais da febre amarela que circulam no Brasil e na África. A competência vetorial dos mosquitos Aedes também foi verificada em Manaus e, em menor grau, em Goiânia. Confira todos os detalhes do estudo clicando aqui.
Combater o Aedes aegypti é fundamental para reduzir o risco da reintrodução do ciclo urbano da febre amarela, assim como para enfrentar a dengue, a Zika e a chikungunya, lembrando que eliminar os criadouros é uma das principais formas de combater o vetor. Diferentemente das espécies silvestres, que colocam seus ovos nos ocos das árvores, o Aedes aegypti prefere os criadouros artificiais, comuns no ambiente domiciliar. Por isso, é preciso vedar as caixas d’águas, colocar tela nos ralos e descartar adequadamente os objetos que podem acumular água.
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